“O que interessa, essencialmente, não é o que a escola ensina, mas sim o que o aluno aprende nela ou fora dela. O que conta, efetivamente, é a competência desenvolvida. As competências desenvolvidas em atividades fora da escola, no mundo do trabalho e na prática social do cidadão, devem ser constantemente avaliadas pela instituição educacional e aproveitados para fins de continuidade de estudos, numa perspectiva de educação permanente e de contínuo desenvolvimento da capacidade de aprender e de aprender a aprender, com crescente grau de autonomia intelectual. A nova ênfase proposta é para o resultado da aprendizagem e não simplesmente para o ato de ensinar.” (Parecer CNE/CP 29/2002, p 24 – Homologado em 13/12/2002).A citação acima, definida pelo CNE/CP do MEC em 2002, sintetiza de forma clara as tendências da educação superior, principalmente nos Estados Unidos, onde o processo de avaliação e reconhecimento do aprendizado laboral e do autodidatismo, já é um fato em várias IES de renome. O novo modelo de individuação educacional (mais conhecido como Educação Baseada em Competência - EBC, do inglês Competency Based Education – CBE), flexível, multimediado, que tem a aprendizagem como foco do processo, as capacidades e disponibilidades educacionais do aprendiz, e as competências já por ele desenvolvidas, não importa quando, onde, ou como (Results Oriented Learning – ROL), elimina os processos muitas vezes redundantes, quando não irrelevantes em termos conteudais, do modelo atual - unimediado pasteurizado/massificado, centrado no professor e focado no ensino (Process Oriented Teaching – POT). O modelo da EBC responde diretamente às questões colocadas por Carbonari[1]: “O que fazer hoje para mudar a educação superior no Brasil?... É preciso aceitar os novos paradigmas educacionais... (com) o uso das novas tecnologias da informação e comunicação... (que) estão alterando a essência dos processos de aprendizagem... (É) de fundamental importância a percepção de que o aprendizado não está mais preso a um espaço (sala de aula), a uma carga horária pré-definida pelos órgãos oficiais e ao passado.” Isso já acontece em vários situações nos Estados Unidos. Ironicamente[2], nos últimos 10 anos, IES públicas como a Western Governors University, Southern New Hampshire University College for America, Kentucky Community and Technical College System, University of Wisconsin, e privadas como a DePaul University School for New Learning, Alverno College, Westminster College,[3] entre outras, já “adotaram” o parecer 29/2002 do CNE/CP do MEC, implementando sistemas de avaliação e certificação de competências, efetivamente eliminando a “hora bunda cadeira”[4] em salas de aula, e valorizando o autodidatismo e a flexibilidade educacional. Em geral, o processo de acesso à EBC é simples: cada IES determina os critérios de acesso que, na maioria dos casos, são baseados na experiência profissional do candidato e nas cartas de recomendações. Uma vez aceito, o aluno pode solicitar créditos referentes às competências já por ele desenvolvidas, encurtando assim seu processo educacional ou, ainda, por achar que já domina a profissão, solicitar certificação/diplomação do curso como um todo. As solicitações são avaliadas por bancas examinadoras compostas por professores e/ou profissionais que dominam os saberes cujos créditos, certificados/diplomas são solicitados pelo aluno. Caso a respectiva banca julgue a solicitação procedente, o aluno é permitido passar pelo processo de avaliação. Os sistemas de avaliações para fins de certificação/diplomação seguem critérios rígidos, amplos, transparentes, que permitem diagnosticar[5] os pontos fortes e fracos do aluno, objetivando a melhoria constante do seu desempenho. Dois tipos distintos de competências são avaliadas: 1. Competências gerais, comportamentais, atitudinais, e de capacidades de pensamento crítico/analítico (core competencies); e 2. Competências profissionais, específicas para o desempenho da respectiva profissão. Ao eliminar redundâncias, e com isso custos desnecessários, bem como reduzir o tempo de formação do aluno, a EBC promove algo que nunca foi foco das IES – a produtividade do sistema educacional. E mais, a EBC traz no seu bojo o embrião da educação prática, a valorização do autodidatismo pertinente às necessidades educacionais do indivíduo, principalmente em relação ao desenvolvimento do seu potencial em função dos seus respectivos talentos e vocações. Enfim, ao valorizar a aprendizagem onde, quando, e como quer que ela aconteça, a EBC promove, direta e indiretamente, o acesso universal ao sistema educacional formal. De acordo com a administração Obama, é um modelo que expande o acesso, corta custos educacionais (tanto para a escola como para o aluno), e encurta o tempo necessário para a obtenção de diploma.[6] [caption id="attachment_8124" align="alignleft" width="225"] “Se a tataravó da minha tataravó estivesse viva hoje e entrasse em uma sala de aula, ela a reconheceria na hora” (autor desconhecido)[/caption] Ao mesmo tempo, as associações de classe[7], em sua grande maioria, aprovam o modelo e estão reconhecendo os certificados e diplomas expedidos por essas instituições, possibilitando aos egressos participarem dos exames necessários para o exercício de profissões regulamentadas. Ou seja, para essas associações, “o que interessa, essencialmente, não é o que a escola ensina, mas sim o que o aluno aprende nela ou fora dela. O que conta, efetivamente, é a competência desenvolvida.”[8] A SALA DE AULA COMO ERA NO ANTIGO EGITO HÁ CERCA DE 3200 ANOS ANTES DE CRISTO (MAIS DE 5200 ANOS ATRÁS) [1] Antonio Carbonari Netto, “A nova visão da educação no Brasil”, in Abmeseduca, 17 de março, 2014 [2] Irônico por que, como bem coloca Gabriel Mario Rodrigues: “Somos um país emergente... (m)as não somos empreendedores de nascença. Haja vista (sic) as milhares de teses... que não passam de belas ideias no papel...”, in “Herança cultural e estagnação colidem com inovação – Capítulo II.” Abmeseduca, 4 de fevereiro de 2014. [3] Meeting Students Where They Are – Profiles of Students in Competency-Based Degree Programs, Center for American Progress, November 2013. [4] O conceito de “hora bunda cadeira” foi originalmente apresentado por Gabriel Mario Rodrigues no seu artigo “Transformações demoram, mas começam a acontecer no ensino superior”, publicado pela Abmeseduca em 26 de novembro de 2013, e se refere diretamente à sua colocação que explica que “o estudante não suporta mais ouvir conceitos jurássicos sobre uma matéria que ele nunca mais vai usar na vida e à qual poderá ter acesso, sempre que quiser, no Google. Realmente há uma transição no modelo atual, com maior participação do aprendizado fora da sala de aula...” [5] Cada IES determina seu sistema de avaliação baseado em competências e seus critérios de certificação/diplomação. Em geral, são requeridos vários tipos de provas orais e escritas, bem como apresentação de trabalhos e atividades que comprovem claramente o desenvolvimento das competências sob avaliação. [6] Phil Hill, “Educational Delivery Models: A View”, in Educause, November/December 2012, p90. Em termos práticos, a EBC está mudando o papel das IES e dos professores. Em um futuro próximo, as IES não mais terão como função principal a formação do profissional, mas sim a função de desenvolvedoras e disponibilizadoras de conteúdos bem como a de desenvolvedoras e aplicadoras de processos de avaliação e certificação de competências. Muitos dos seus produtos serão disponibilizados gratuitamente pela Internet, como parte das MOOCs (Massive Open Online Courses), forçando-as a rever seus modelos de negócio, principalmente em relação as receitas. Na era do intelecto intensivo, que valoriza o pensamento crítico e analítico, bem como a capacidade criativa e inovadora do profissional, a função do professor também muda: ele não mais será o centro de transmissão de conhecimentos. Ele passará a ter o papel de coadjuvante do processo de aprendizagem, tornando-se um “personalcoach” de cada um dos seus alunos, auxiliando-os no desenvolvimento de competências genéricas requeridas de cada indivíduo, bem como no desenvolvimento de competências específicas requeridas pelas respectivas profissões. [7] Diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos tanto o Department of Education (o MEC de lá), como o Department of Labor (o Ministério do Trabalho), não normatizam a educação superior ou as leis trabalhistas de forma centralizada. Cada um dos 50 estados daquele país determina suas regras próprias em relação aos seus respectivos sistemas educacionais, laborais, e de associações profissionais. [8]Op. cit.